Marcelo Coelho
Por que você não
aguenta mais um pouco?
Cai um raio em Bauru; o país
fica às escuras. Não há o que fazer, só esperar
que o problema seja resolvido. Observe-se que, durante o blecaute, nada
de extraordinário aconteceu: saques, depredações,
estupros, tumultos, homicídios não conheceram acréscimos
significativos em suas taxas habituais.
A comparação
é meio fácil, mas aqui vai. O blecaute resume bem a situação
do país. O raio em Bauru é como a crise na Tailândia,
a derrocada russa, o ataque especulativo à moeda brasileira: são
coisas que vêm do céu, transmitidas por uma rede de comunicações
entrecruzada e eficiente, contra as quais parece não haver reação
possível. Esperamos; esperamos que a luz volte, assim como esperamos
que os técnicos façam "os ajustes necessários" para
que também volte (esperamos) a famosa confiança do investidor
externo.
O blecaute
destruiu alguns aparelhos eletrodomésticos, mas como isso não
aconteceu com todo mundo, a maioria de nós acordou aliviada no dia
seguinte. Do mesmo modo, uma crise econômica não destrói
todo o parque produtivo do país nem a vida de todos os seus habitantes.
Esperemos, portanto.
A cidade
de São Paulo viveu dias caóticos. Choveu muitíssimo.
Houve que morresse; houve também quem tenha passado por essa espécie
de morte civil, a perda do automóvel. Mas a água das enchentes,
assim como vem, desaparece. O trânsito melhora depois; é só
esperar o dia seguinte.
A rede de
corrupção na Prefeitura é denunciada, há um
rebuliço, há certo escândalo, sem dúvida -mas
sem que ninguém pense realmente em protestos de rua, pressões
radicais, linchamentos de vereadores ou impeachment de prefeito. Espera-se.
No fundo, espera-se o quê? Que tudo não termine em pizza,
dizem os comentaristas. Mas se tudo terminar em pizza, isto será
rigorosamente o que se esperava.
O Oscar vem
aí. Seremos, pela terceira vez consecutiva, julgados por uma espécie
de tribunal internacional, pelo FMI da relevância estética.
Esperamos um veredicto favorável. Não depende de nós:
esperamos.
Havia um
livro, acho, intitulado "Brasileiro, Profissão Esperança".
Havia uma música de Chico Buarque, "Pedro Pedreiro", falando do
cidadão que espera, espera o trem. O tema não é novo.
Mas talvez seja novo traduzir este termo, "esperança", por outro,
"passividade".
"Esperança"
significava, nos anos 60, a projeção de dias melhores. Mas
a palavra "projeção" implica, de certo modo, a idéia
de uma atividade, de um empenho. Projetar, na pior das hipóteses,
é agir utopicamente. Na melhor das hipóteses, é preparar
um plano de ação racional.
"Esperança",
hoje, significa quase o mesmo que paciência. Nossa relação
com o mundo econômico globalizado é semelhante à que
temos com a meteorologia -incluindo aí toda a biblioteca de previsões
erradas que já se fizeram.
Não
confio muito em análises da "psicologia nacional", interpretações
do "caráter de nosso povo". Mas noto que, em tudo, encarnamos o
espírito da torcida futebolística. É como se tudo
fosse questão de torcer e esperar, não de agir e exigir.
A passividade
é tanta, que até as vozes mais abalizadas da oposição
(excluindo-se Itamar Franco) são americanas. Os líderes da
oposição brasileira em matéria econômica, são
Jeffrey Sachs e Rudiger Dornbusch.
De certo
modo, o Brasil estimula essa passividade. Pois, ao longo dos anos, caiu
de fato a mortalidade infantil, subiu a expectativa de vida, cresceu o
número de casas com água, esgoto e luz. O mero passar do
tempo embala nossas indignações, suaviza nossos absurdos.
Esperemos, pois.
"Vocês
aguentaram até agora, por que é que não aguentam mais
um pouco?" -esta pergunta é feita há séculos aos brasileiros,
e eles respondem em silêncio.