Folha de São Paulo, quarta-feira, 17 de março de 1999
 

Marcelo Coelho
 
 

Por que você não aguenta mais um pouco?
 

Cai um raio em Bauru; o país fica às escuras. Não há o que fazer, só esperar que o problema seja resolvido. Observe-se que, durante o blecaute, nada de extraordinário aconteceu: saques, depredações, estupros, tumultos, homicídios não conheceram acréscimos significativos em suas taxas habituais.
    A comparação é meio fácil, mas aqui vai. O blecaute resume bem a situação do país. O raio em Bauru é como a crise na Tailândia, a derrocada russa, o ataque especulativo à moeda brasileira: são coisas que vêm do céu, transmitidas por uma rede de comunicações entrecruzada e eficiente, contra as quais parece não haver reação possível. Esperamos; esperamos que a luz volte, assim como esperamos que os técnicos façam "os ajustes necessários" para que também volte (esperamos) a famosa confiança do investidor externo.
    O blecaute destruiu alguns aparelhos eletrodomésticos, mas como isso não aconteceu com todo mundo, a maioria de nós acordou aliviada no dia seguinte. Do mesmo modo, uma crise econômica não destrói todo o parque produtivo do país nem a vida de todos os seus habitantes. Esperemos, portanto.
    A cidade de São Paulo viveu dias caóticos. Choveu muitíssimo. Houve que morresse; houve também quem tenha passado por essa espécie de morte civil, a perda do automóvel. Mas a água das enchentes, assim como vem, desaparece. O trânsito melhora depois; é só esperar o dia seguinte.
    A rede de corrupção na Prefeitura é denunciada, há um rebuliço, há certo escândalo, sem dúvida -mas sem que ninguém pense realmente em protestos de rua, pressões radicais, linchamentos de vereadores ou impeachment de prefeito. Espera-se. No fundo, espera-se o quê? Que tudo não termine em pizza, dizem os comentaristas. Mas se tudo terminar em pizza, isto será rigorosamente o que se esperava.
    O Oscar vem aí. Seremos, pela terceira vez consecutiva, julgados por uma espécie de tribunal internacional, pelo FMI da relevância estética. Esperamos um veredicto favorável. Não depende de nós: esperamos.
    Havia um livro, acho, intitulado "Brasileiro, Profissão Esperança". Havia uma música de Chico Buarque, "Pedro Pedreiro", falando do cidadão que espera, espera o trem. O tema não é novo. Mas talvez seja novo traduzir este termo, "esperança", por outro, "passividade".
    "Esperança" significava, nos anos 60, a projeção de dias melhores. Mas a palavra "projeção" implica, de certo modo, a idéia de uma atividade, de um empenho. Projetar, na pior das hipóteses, é agir utopicamente. Na melhor das hipóteses, é preparar um plano de ação racional.
    "Esperança", hoje, significa quase o mesmo que paciência. Nossa relação com o mundo econômico globalizado é semelhante à que temos com a meteorologia -incluindo aí toda a biblioteca de previsões erradas que já se fizeram.
    Não confio muito em análises da "psicologia nacional", interpretações do "caráter de nosso povo". Mas noto que, em tudo, encarnamos o espírito da torcida futebolística. É como se tudo fosse questão de torcer e esperar, não de agir e exigir.
    A passividade é tanta, que até as vozes mais abalizadas da oposição (excluindo-se Itamar Franco) são americanas. Os líderes da oposição brasileira em matéria econômica, são Jeffrey Sachs e Rudiger Dornbusch.
    De certo modo, o Brasil estimula essa passividade. Pois, ao longo dos anos, caiu de fato a mortalidade infantil, subiu a expectativa de vida, cresceu o número de casas com água, esgoto e luz. O mero passar do tempo embala nossas indignações, suaviza nossos absurdos. Esperemos, pois.
    "Vocês aguentaram até agora, por que é que não aguentam mais um pouco?" -esta pergunta é feita há séculos aos brasileiros, e eles respondem em silêncio.